31 março, 2009

Entreaberto

E de vez em quando, se o tempo o permitir, percorre-lhe ainda os dedos aquele gozo que se formou hábito: renasce ainda aquela outra vontade de escrever.
Pega no caderno, prepara o lápis, de ponta por afiar dirigida para o papel. Linhas azuis bem definidas, vazias, apoquentadas pela ânsia de servir, de carregar sobre a sua fragilidade a tinta grossa e penosa que faz jus às não vontades do seu criador, desenhando riscos flutuantes que aos poucos vão pousando como pó, sobre os carris incestuosos e paralelos, que a quem os fitar, gritarão palavras e palavrões circunscritos: populações analfabetas que jogam letras na roleta, para que se emaranhem e fecundem, numa fila descontinua e lacrimejada, de sortes e escolhas atiçadas, empurrando-se umas às outras por um lugar no inicio da página, no meio do verso, no fim do parágrafo.

Fica então entreaberto: o portão do jardim onde paira o seu retrato, balouçado pelo ar corrente que se afunila e se expande pela ranhura fresca e reluzente, e que inspiro, como um ópio particular.