10 junho, 2008

Um dia.

Um dia vou contar-te ao ouvido como foi, como é. Vou mostrar-te os rascunhos, vamos cantarolar juntos todas estas crónicas perfeitas que ouço enquanto apago o que escrevi, o que prometi não eternizar, nestes testemunhos rasurados, desbotados pelos transbordos salgados, que de dia são súplicas e à noite prantos. Um dia tu vais vê-lo. Vais folheá-lo vagarosamente e vais suspirar cada palavra despida, cada instante enclausurado.
Nesse dia, vais ler-te: insaciado, adormecido por entre as veredas espinhosas dos roseirais que plantaste. Fixarás o teu reflexo e descobrir-te-ás, estarrecido. Recordarás as pegadas que deixaste, desenhadas nos murais do ser insólito que repartiste entre teus submissos soldados. Já tarde, vais perceber o que te escrevo e porque te dirijo meus monólogos desencorajados. Não é por banalidades irresponsáveis. Não é por desejos carnais nem súplicas incoerentes. Não são declarações. Não são pedidos apaixonados, nem lamentos adolescentes. São frutos colhidos do mesmo ser, outrora rasgado e semeado em duas rectas perpendiculares, e que em portos ilusoriamente recuados fazem juramentos e quebram raízes que abatem a calçada. Abrem desvios pelo mato denso e palmilham descalços o inóspito firmamento. Destinos congénitos unidos erroneamente pela suposição. Um único caminho, percorrido a duplicar.
São estas as certezas de quem se lê de dentro para fora e se completa nas entranhas do que não é. Afinidades eloquentes entre vozes encanastradas, unidas e tecidas em quilómetros vastos de seda firme, pregadas nas palavras proferidas que carrego comigo, e nos silêncios que assentam na razão do que não foi uma escolha, mas que por louca obediência às crenças erigidas, se vive e permite, ainda que porventura sem saber, o alastramento da vida deste único ser.

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