08 outubro, 2008

Parágrafo.





O autocarro estava quase cheio. Um rapaz no banco da frente revirava-se de instante em instante tentando arranjar uma posição mais cómoda para dormir. A vários bancos atrás, um miúdo, talvez nos seus dois anos, abraçado à avó choramingava, chamando pelo irmão e pela mãe que tinha deixado para trás, onde ele já não estava. No banco imediatamente atrás, um homem, numa língua que não a delas, continuava o seu longo diálogo de intensas três horas (ou pelo menos para quem o ouvia). Conscientes e tranquilas, de auscultadores nos ouvidos, a Determinação e a Coragem, de decisões entrelaçadas e desenhos reflectidos, olhavam agora para a imensa Lisboa, disformemente matizada por milhares de pontos cintilantes disputando a atenção alheia, e que, levando o tempo necessário, se aproximavam a cada instante mal vivido, pacientemente: o autocarro deslocando-se sobre a ponte, de encontro a uma cidade viva; e uma cidade ansiosa por viver, mergulhando-se no rio de encontro a um tempo que já existiu.
Uma lua dourada, pequena, cresce timidamente diante dos seus olhos, grandes. A música faz-se sentir e o momento acontece: na plenitude traída, a felicidade é cimentada, caiada: E aí, aí surge vida.

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