04 maio, 2010

É uma das primeiras coisas que nos ensinam. Demonstram-nos e corrigem-nos quando ousamos balbuciar mãe, pai, água, pão e, quase que com a mesma insistência (ou até importância) que há um lobo mau à espreita, um papão, um velho escondido algures, ou na melhor das hipóteses, um policia que nos vem buscar se nos portarmos mal ou não comermos a sopa. Como se a existência de um mau da fita fosse imprescindível para crescermos, para nos tornarmos pessoas.
E nós habituamo-nos, a cada dia, a cada idade, a procurar (já em modo obrigatório e irrefutável) esse lobo mau, apenas porque ele tem que existir.
Mesmo que ele não nos encontre, nós temos que procurá-lo, porque só assim poderemos ser pessoas melhores, só assim poderemos mostrar que somos capazes, fortes, de mostrar o que valemos e de ganhar a nossa recompensa (que será certamente mais do que um chocolate). Resta saber se nesta educação propagada, se instruem vítimas ou super-heróis.
Mas quem havemos de escolher? Um amigo que nos rouba o boné só porque é um miúdo de 6 anos, e os miúdos de 6 anos (alguns, espero) divertem-se quer a ouvir rir, quer a ouvir chorar. Os professores? Aquele professor, que até ensina bem e que até pode ter recebido o prémio Nobel da paz, mas que coitado, reúne de forma quase perfeita as características de um vilão exímio. Ou ainda os pais, que pelas circunstâncias proximais se tornam alvos tão vulneráveis, sendo nomeados por muitas amostras de gente como os criminosos pioneiros, capazes das maiores atrocidades, e que pela ligação emocional tão bem serão passíveis de serem reprimidos (olha que escolha tão conveniente!). O que não quer dizer que não haja um “quê” de razões viáveis nestas perseguições. Obviamente em qualquer teoria que envolva pessoas não há regras. Provavelmente só um mar excepções.
O pior é quando nos apercebemos de que essas nossas escolhas já não têm razão de ser (se é que algum dia tiveram) porque os nossos motivos, as nossas verdades, simplesmente mudaram. E aí vemo-nos desprovidos de armaduras e sacos de boxe, a consciência apodera-se de nós e obriga-nos a abandonar esse vilões tão bem desenhados, e a procurar outros, mas agora com um leque tão menos variado de hipóteses, que a imaginação atreve-se a ser solicitada como a principal ferramenta. Tão ousada chega a ser, que quando queremos controlá-la já não conseguimos, porque ela já se estabeleceu, já se erigiu por detrás dos nossos olhos. Quando queremos pensar já não conseguimos: porque já encontrámos, ou construímos, esse vilão dentro de nós. Apenas porque tem que haver sempre um lobo mau.
E desse já não podemos fugir. Ou podemos?

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