01 setembro, 2010

Falemos só do que é importante. Só hoje.

“A máquina fotográfica pode revelar os segredos que o olho nu ou o espírito não captam, tudo desaparece excepto o que focámos no quadrado. A fotografia é um exercício de observação e o resultado é sempre um golpe de sorte. Essa procura é sobretudo espiritual. Procuro verdade e beleza na transparência de uma folha no Outono, na forma perfeita de um caracol na praia, na curva de umas costas femininas, na textura de um antigo tronco de árvore, mas também noutras formas escorregadias da realidade. Algumas vezes, ao trabalhar com uma imagem no meu quarto escuro, aparece a alma de uma pessoa, a emoção de um evento ou a essência vital de um objecto, nessa altura a gratidão explode no meu peito e ponho-me a chorar, não consigo evitá-lo. É para essa revelação que aponta o meu ofício.”

Retrato a sépia, Isabel Allende.

E é também por isso que eu não troco um álbum de fotografias por um vídeo. Porque, a não ser que passemos a mesma cena uma e outra vez, ainda assim, haverá sempre uma tendência para vermos aquilo que quem filmou viu, aquilo que os que foram filmados viram, passando-nos mais uma vez despercebidos, os pormenores da realidade que poderiam mudar toda a história.
Uma fotografia dá-nos tempo, para percorrê-la, palpá-la. Numa fotografia temos uma parte daquele que é fotografado, guardado; temos aquilo que quem o fotografou tentou guardar; e temos aquilo que aquele que a pôde ver mais tarde observou, sentiu. É aí, algures entre cada um destes instantes, que repousa a verdade. E é através dela, que eu troco a memória pela imaginação e procuro as recordações que não tenho; que tento ouvir aquele tom de voz que imagino pelos contornos da face e do pescoço adornado; que tento sentir aquele cheiro que se adivinha pelos cabelos encaracolados e a roupa imaculada. E, acima de tudo, tento comparar com aqueles que conheço, os traços, as cores que estão para além do preto e do branco, os gestos e os jeitos que se desvendam pela forma da boca, dos olhos, do nariz, e que me garantem que aquela pessoa que ali vejo, continua presente, ainda que, por pedaços repartidos entre os seus.
Esta jovem, que aqui vos deixo hoje, chama-se Brígida. Morreu quando eu tinha 4 anos havia 4 dias.

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