30 janeiro, 2008

I


Como eu gostava de falar contigo. Ficar assim, horas e horas, falando de tudo e às vezes de quase nada. Isso não nos importava, aliás, era o que de mais especial havia nas nossas conversas, era esse interesse mutuo pelas banalidades da vida, que ao mesmo tempo se revelavam como o que de mais intenso e realmente importante acontecia no nosso dia a dia. Nunca precisávamos de pretexto para manter a conversa viva. Havia sempre alguma novidade para contar, algum pormenor sobre nós mesmos que nunca tínhamos revelado, alguma coisa no outro que nunca tínhamos reparado, havia sempre alguma pergunta que queríamos ouvir e uma resposta que tanto queríamos dar. Mesmo quando permanecíamos em silêncio, uma troca infinita de confissões e desejos mais tímidos se deslocava no tempo que nos separava.
Era já fim do dia... o rio de prata nascido sob o azul, embalava em tons meigos de rosa os pilares brancos e reluzentes desta ponte, cujo fim meus olhos não conseguiam alcançar. Num espelho sem imperfeições, o céu todo decorado servia de pano de cenário para duas gaivotas solitárias viajantes. Solitárias para as outras, mas nunca entre si.
O canto doce dos melros que ressoava dentro da minha alma, pedia-me que fechasse os olhos e caminhasse, depressa o quanto bastasse para sentir viva sobre a minha pele arrepiada a brisa fresca da noite que se aproxima, mas devagar o suficiente para sentir sob os meus pés já cansados, todas e cada impressão decalcada nas pedras gastas da velha calçada... Velha, não de anos, mas pela sofreguidão com que é espezinhada repetida e incessantemente todos os dias por dezenas de pessoas que, umas mais atentamente, outras menos, gostam de desfrutar deste lugar que agora percorro contigo, em segredo.



29 de Janeiro, 2008

2 comentários:

' Claudjinha disse...

palavras lindas, absolutamente lindas. Parabéns.

GabriellaDreams disse...

Tão bonito (':
<3