31 janeiro, 2008

II

Não gosto da confusão das grandes cidades. Multidões que correm daqui para ali, numa corrida contra o tempo ou contra si próprias com a desculpa de que têm compromissos inadiáveis e obrigatórios. Alguns, imprescindíveis para a sobrevivência, dizem. É verdade que sem trabalho ninguém sobrevive neste país, ou pelo menos quem não nasceu rico nem ganhou a lotaria, mas não menos verdade será dizer que apesar de uma corrida necessária, quem entra nela, seja por força do hábito ou por necessidade dessa rotina demolidora, já não sabe viver de outra forma. É, confesso que no fundo, há qualquer coisa que me fascina nesse frenesim estonteante que é a baixa lisboeta em hora de ponta.
Sentamo-nos, em silêncio. A escadaria de mármore, enegrecida pelo tempo (ou pelos pés menos asseados dos fiéis devotos ou de viajantes curiosos) reflecte os últimos raios de sol deste, ainda curto, dia. É ali, entre o silêncio crente que se respira na casa do Senhor, e a miscelânea de sons que se entrecruzam e se difundem na brisa que antevê a noite, que nós nos costumamos encontrar, permanecendo assim, durante longos minutos, respirando a cidade e observando as pessoas, os seus passos acelerados de quem tem que fazer uma ultima corrida para chegar a casa, ou dos mais descontraídos, que aproveitam a baixa para passear e pôr a conversa em dia, vozes que se entrelaçam e se completam, e aqui e ali, olhares desatentos que revelam em segredo um pensamento distante envolto em desejos, dissimulado entre sonhos.
- Já reparaste o quanto podemos aprender com uma criança?
Não foi preciso responder-te. Sabias que o cenário a escassos metros à nossa frente tinha despertado em mim a mesma linha de pensamentos. Uma menina esguia e arrebitada contava, eufórica, o que tinha aprendido na escola à mãe, que atentamente e deliciada com a alegria sincera da filha, a olhava com doçura e escutava o que a pequena lhe contava.
- Há momentos que mereciam um retrato não achas?
Sorriste - Vamos, está a ficar fresco.
Descemos a rua, por entre a corrente de pessoas que parecia vir maioritariamente em sentido contrário ao nosso. Uma ansiedade miudinha se apodera dos nossos sentidos, e um desejo crescente de começar a escutar, ainda que distante, aquela melodia doce e triste, que entoa pelas pedras da rua, pelas pessoas, cada vez mais perto, mais dentro do peito, preenchendo a alma e elevando ao mais perfeito pormenor aquele fim de tarde.

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