06 maio, 2008

VI

Um hábito que me fazia feliz. Um retrato diário do que parecia ser uma família perfeita. Quem diria.

Cai a noite. Um céu uniformemente pincelado de um azul infinito nos preenche a vista incansavelmente fascinada por cada ponto luminoso semeado por mãos sábias, aqui e ali pelas estradas da imensidão, tão pequena aos nossos olhos.
Acomodada no meu cantinho no banco de trás do carro, irremediavelmente junto à janela, vasculho entre as estrelas a protagonista da minha canção.
O rádio toca. A música quando ouvida á noite sempre teve um sabor especial. Uma arte que nos envolve e absorve, transportando-nos para lugares sem gente que Deus se esqueceu de criar.
Ao meu lado, na sua pequena e confortável cadeirinha, está a minha irmã, atenta ao que os meus pais nos lugares da frente estão a conversar, como se tentasse decifrar aquela linguagem estranha que os adultos insistem em utilizar para comunicarem. Mas o embalo do carro em movimento, por mais curta que seja a distância, é o suficiente para que logo desista de tentar desvendar aquele estranho diálogo, e feche aos poucos os seus pequenos, e já tão profundos olhinhos, adormecendo na sua tão feliz inocência.
Abro o vidro. Apesar de derradeiro, o verão ainda deixa dissipadas na aragem suas fragrâncias quentes e reconfortantes. Deixo o ar correr abruptamente para o interior do veiculo, como que buscando na sua impetuosidade ao cruzar com a minha cara, uma inspiração superior, uma fortaleza para as minhas crenças, tão infantilmente desenhadas. Enfeitiçada, deixo-me enredar na sua frescura densa e levito até às estrelas… -Fecha o vidro, ainda te constipas – interrompe-me a minha mãe. Contrariada, regresso à terra e lentamente rodo o manípulo, fechando o vidro.
A escola recomeçou faz poucos dias. Não que esta seja o meu lugar favorito, mas até fiquei contente que as férias acabassem. Já estava há demasiado tempo em casa sem saber o que fazer, e a minha mãe cansada de ouvir-me dizer que não sabia o que fazer! A única hora de que eu realmente gostava nas férias de verão era o fim da tarde quando podia ir para a rua brincar com as outras crianças minhas vizinhas e amigas das brincadeiras. Tirando isso, e mais ainda para quem ainda não conhece o verdadeiro trabalho escolar, sempre achei as férias de verão demasiado longas… Principalmente desde que te conheci.
Repito vezes sem conta a parte da letra já criada, fruto da noite e sem o papel como testemunho, para que numa próxima viagem a recomece no ponto onde a deixei, num ritmo que é só meu, numa página nas memórias da criança que um dia fui, num destino por mim traçado e fielmente consumado, até hoje.
*
Porque trago a música sempre comigo. A música e tu.

Sem comentários: