14 maio, 2008

VII

A porta está aberta como sempre. Numa curiosidade de há muito por saciar dirijo-me na sua direcção… Em passos curtos e hesitantes percorro o passeio de calçada escorregadia, espelho do tempo húmido que dominou nesta acinzentada data. Entro. Um senhor de bigode branco, sentado num dos bancos compridos de madeira escura no centro da sala, de bengala pousada sobre os joelhos e de boina caída sobre o nariz, parece dormitar, indiferente à minha entrada no edifício. Junto a uns placares de cortiça repletos de folhas recheadas de tabelas e letras minúsculas, duas raparigas de aparência estrangeira, cada uma carregando às costas uma enorme mochila, parecem procurar seu destino por entre os panfletos afixados. Na porta, agora atrás de mim, entra de rompante um senhor alto, bem vestido, carregando uma única e pequena mala preta, dirigindo-se em passos largos e nervosos para a bilheteira. A casa quase vazia faz ecoar a voz rouca e sussurrada do senhor, chegando até mim quase imperceptível. Um chão antigo e decorado ao pormenor, abre caminho para outra porta que dá passagem novamente para o exterior, através da qual uma claridade baça e ofuscante me semicerra os olhos, enigmaticamente atraídos pelo desconhecido lugar. Desloco-me até essa porta e saio. O dia acabrunhado pelas pesadas nuvens negras torna ainda mais triste aquele local onde milhares já disseram adeus a quem partia e outros tantos já receberam de braços abertos quem de chegada estava. Eu, nem digo adeus nem recebo ninguém. Fico. Em silêncio.
Não obstante que a primeira vez que viria a entrar num comboio ainda estivesse para vir passados uns longos meses, bem como nunca tenha estado sequer numa estação à espera de alguém conhecido, o som do comboio em movimento sobre os pesados e imortais carris, sempre me transmitiu uma sensação inexplicavelmente mágica e nostálgica. Como se noutra vida tivesse presenciado com desgosto a partida de alguém querido, para algum lugar distante e insondado. Como se a dor de o ver partir trespassasse a própria morte e encarnasse em mim com a mesma crueza e sensibilidade. Como se a mágoa do adeus não pertencesse apenas a um único ser, mas a duas almas castigadas: à que partia, e à que via partir. Como se cada vez que começasse a ouvir ao longe o ruído penetrante e repetido da locomotiva, meu coração tomasse esse ritmo como sendo o seu e, em uníssono com a melodiosa e incessante batida férrea, me tirasse o fôlego e me largasse desmoronada sobre o chão de pedra áspero junto à porta da tua casa.
Aproximo-me da berma do passeio e debruço-me sobre as linhas negras e enferrujadas. Vejo-as estremecer num ritmo crescente e miraculosamente coordenado com o zunido que antes ouvira distante e que agora se aproxima de mim a uma velocidade vertiginosa. Num abraço sem reservas o vento solto empurra-me para trás, quase me derrubando, enquanto meus olhos se fixam questionados, no comboio que se atravessa soberano, a centímetros de mim.
Vigorosa e sem remorsos, a chuva começa a cair.

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